A cor como factor de linguagemUm dos maiores problemas com que lidamos ao falar da cor é o facto de podermos, firmemente, afirmar que a cor é um tipo de linguagem. Isto pode parecer um contra-senso, na medida em que, sendo uma linguagem deveria ser fácil de explanar. No entanto dá-se o caso particular de a cor ser uma linguagem não verbal e não convencionada, e isto é que faz com que seja um tema tão rico e complexo de abordar.
Em termos antropológicos e linguÃÂsticos podemos dividir a análise da cor em duas vertentes, uma puramente linguÃÂstica - a origem das diferentes palavras que denominam as cores, genealogia e significados; a outra seria a análise de relação do papel da cor e a evolução humana, nas representações, crenças, manifestações culturais, histórias, lendas, etc. (Eco, 1979)Do ponto de vista linguÃÂstico temos de fazer um ressalva prévia. Qualquer análise feita relativa à "palavra" tem de ter em conta o facto de todas as lÃÂnguas que se falam no mundo terem estruturas diferentes e que qualquer consideração poderá estar, desse modo, eminentemente errada.
A estrutura gramatical de uma linguagem, a sua expressão de género, de plural e singular, ou mesmo relação entre predicados, verbos, adjectivos, etc., pode e varia segundo a linguagem em que comunicamos.
Mesmo relativamente à s palavras ou designações para uma determinada cor não é licito e expectável que todas as lÃÂnguas tenham palavras que signifiquem as cores como as conhecemos. Mesmo nas cores mais básicas (vermelho, azul, verde, amarelo) existem lÃÂnguas que não possuem expressão definida - nome exacto - para algumas, senão todas, elas. Por exemplo, em japonês, a palavra awo pode ser traduzida para verde, azul ou escuro, dependendo da contextualização.
Como se pode perceber, qualquer análise linguÃÂstica teria de ser particularizada para cada lÃÂngua, retirando-lhe o carácter universal e abrangente que se pretende neste tipo de trabalho.
Já a nÃÂvel antropológico a observação histórica diz-nos que todas as culturas utilizaram e utilizam a cor - se bem que de diferentes formas - geralmente com os mesmos propósitos.
Os primeiros dados que se possuem relativamente ao uso da cor remontam ao PaleolÃÂtico Superior (cerca de 35.000 AC) (Halverson, 1992; Janson, 1989). No entanto não existem provas que suportem ou inviabilizem o uso da cor em perÃÂodos anteriores. De qualquer modo, se observarmos os exemplos de hoje em dia podemos considerar seriamente, como uma hipótese válida a possibilidade da cor ter sido utilizada em materiais mais perecÃÂveis, e que dessa maneira não teriam sobrevivido ao passar dos séculos. Desde o vestuário, a adornos, mas muito particularmente na pintura corporal, a utilização da cor pode ter "entrado" no nosso quotidiano, e na nossa evolução histórica, muito antes do que se supõe.
Em termos de representação visual, que é o que interessa para o desenvolvimento deste trabalho, podemos considerar que a cor compreende duas funções: representação e decoração.
A representação é um processo muito especializado porque é, de certo modo, a redução ou decomposição da visão humana (Davis & Quinn, 1996), o que depreende um certo grau de predisposição e aptência assim como bastante treino.
Ao nÃÂvel da decoração o processo é maioritariamente assente em considerações subjectivas, dependentes de factores de gosto pessoal, com menor (ou nenhuma) especialização, menos objectivo e muito mais difÃÂcil de estudar, caracterizar e categorizar.
LinguÃÂstica e semiologiaTanto a comunicação interindividual como a de massas tomam muitas formas, mas a que primeiro se tornou objecto de estudos sistemáticos e cientÃÂficos foi a linguagem oral e escrita.
A ciência que dela se ocupa chama-se linguÃÂstica. Rapidamente os especialistas se deram conta que o seu estudo se devia enquadrar num horizonte mais vasto que englobasse todas as formas de comunicação. àessa a razão do aparecimento da semântica e da semiologia. (Eco, 1979)A semântica é a ciência do significado, ou seja, trata do conteúdo dos signos; a semiologia é a ciência dos sinais, isto é, trata fundamentalmente da forma. A linguÃÂstica embora anterior acaba por ser um ramo daquelas.
A comunicação tem como elementos fundamentais da sua estrutura um emissor que transmite uma dada mensagem até um receptor através de um canal ou Suporte e com o auxÃÂlio de um código conhecido tanto do emissor como do receptoràa existência deste código que dá significado à mensagem e aos elementos que a compõem, isto é, os signos que estão em substituição de algo que representam.
Se uma comunicação não tiver código transforma-se num simples processo estÃÂmulo-resposta. O estÃÂmulo não tem em si mesmo significado, este só lhe pode ser atribuÃÂdo através dum código que lhe seja inerente.
Se falarmos em português com um estrangeiro que conheça a lÃÂngua, podemos dizer que as palavras proferidas são para ele um conjunto de signos uma vez que o código é conhecido por ele. Se em contra partida esse estrangeiro não souber português, os vocábulos que proferir serão para ele apenas um conjunto de estÃÂmulos sonoros pois estão destituÃÂdos de significado, embora continuem a ser signos para quem compreenda a lÃÂngua portuguesa.
"Como se podem analisar os signos? A maior parte dos autores divide o signo em três componentes: significante, significado e referente." (Rocha, 1987)A cada definição de cada elemento de um código, chamamos significante. Podemos então dizer que para cada definição ou objecto, temos vários significantes possÃÂveis. Ou, no caso das palavras, teremos todas as suas traduções nas diferentes lÃÂnguas, ou mesmo fotografias ou ilustrações do termo empregue.
Quanto ao significado, ele é a associação mental que se faz entre o "objecto da comunicação" e a sua definição.
Portanto as palavras constituem significantes, a sua associação mental através dum código a que chamamos significado, falta ainda atribuirmos um nome à quilo a que nos estamos a referir, isto é, o objecto em si, considerado materialmente e não enquanto simples palavras ou associações na nossa cabeça. Sendo isso uma definição real, aquilo a que nos referimos, nenhum nome lhe caberia melhor que o de referente. Temos assim pois todos os elementos do signo: o referente, o significado e o significante, sendo o primeiro o objecto, o segundo a ideia e o terceiro o registo.
Podem, no entanto, existir signos sem referente por exemplo a imagem palavra que representam um centauro, animal mitológico, meio homem, meio cavalo. Com efeito ele é uma criação fantástica e que não tem correspondente na realidade, isto é, não tem referente. (Eco, 1984)O tipo de ligação entre os signos e os seus referentes constitui um critério para a sua classificação. Deste modo considera-se que os signos se dividem em três classes: ÃÂndices, ÃÂcones e sÃÂmbolos.
ÃÂndices são os signos que se encontram fisicamente ligados com os objectos que referem. Uma impressão digital é um bom exemplo, na medida em que a própria impressão se refere a ela própria.
Os ÃÂcones são signos que representam os seus referentes através de uma semelhança formal ou de qualidades que com eles partilha. Um retrato será um bom exemplo de ÃÂcone.
Quanto aos sÃÂmbolos são signos aleatórios cuja ligação com o referente se faz através de uma convenção. A palavra é um sÃÂmbolo.
Devemos considerar no entanto que os exemplos apontados para cada um dos signos são mutáveis e podem caber numa das outras classes, dependendo isso do contexto e do nÃÂvel da descodificação.
Deste modo a imagem de um animal para um leigo será um ÃÂcone, mas numa certa cultura pode ser o sÃÂmbolo de uma divindade. O contexto cultural e o processo iniciático são os responsáveis por estas diferenças para o mesmo significante. Quer isto dizer que também o significante pode ter vários significados.
Existem diferentes escalas de iconicidade pois que o ÃÂcone não tem todas as qualidades do referente, senão não era signo mas sim o próprio referente. O grau de iconicidade depende do maior ou menor número de qualidades do referente que o ÃÂcone contém.
"Podemos ainda considerar os signos sob um ponto de vista evolutivo. Uma pegada de ave na areia, considerada como ÃÂndice, passou mais tarde, em certa civilização, a usar-se como representação icónica do referente ave, e mais tarde ainda, passou a constituir um sÃÂmbolo enquanto convenção duma escrita para designar o verbo voar." (Rocha, 1987)Jean Cloutier, semiólogo considera através do mesmo critério dos significados atribuÃÂveis ao mesmo signo a seguinte classificação destes:Monossémicos, polissémicos e pansémicos. A monossemia é própria dos signos que têm um só significado.
A polissemia com várias relações entre o significante e o significado, por outras palavras, um significante com vários significados;A pansemia pela qual se estabelecem todas as relações possÃÂveis entre o significante e o significado. A cor, é um dos exemplos dados para este tipo de significação. (Saint-Martin, 1990)"The Stoics had left unresolved the problem of the difference between the relation of linguistics expression to content on the one hand (what Hjelmslev will call denotation) and the relation of sign proposition to consequent meaning on the other. One suspectes that the first model may still be based on equivalence while the second is doubtlessly based on inference." (Eco, 1979)Falar das linguagens utilizando exactamente uma delas é uma tarefa que se torna bastante difÃÂcil e por isso os linguistas e semiólogos têm de criar uma linguagem muito especÃÂfica e frequentemente complexa de decifrar a que se chama metalinguagem cujo objecto é estudar a própria linguagem. A bem dizer ela debruça-se sobre si mesma.
Como vimos, os diversos tipos de signos não são formas fixas, mas antes dinâmicas cujo conteúdo ou significado se pode modificar levando-as por vezes a metamorfosearem-se umas nas outras.
Isto acontece porque a análise objectiva dos signos dispensa esse imponderável que é a sua fluidez. Mas se assim se passa com a análise e conceptualização, quando se considera o uso dos signos, temos de introduzir a noção de nÃÂveis da linguagem: o nÃÂvel denotativo e o nÃÂvel conotativo.
A função cognitiva pertence ao nÃÂvel prático ou denotativo, enquanto a função emocional é do nÃÂvel mÃÂtico ou conotativo.
Quando dizemos Ferrari, a denotação será: um carro italiano e a conotação: luxo, alta sociedade, espera-se que seja vermelho o que o relaciona com o poder.
Todo este discurso pode ser aplicado à cor, embora não exista um código pré-definido para a sua aplicação de maneira generalista.
Podemos pois dizer que o objecto deste estudo será obter referentes para cada cor, de modo a que estas mesmas cores, utilizando um código pré-definido, se transformem em ÃÂcones de aplicação directa. Deste modo a cor deixaria de ser (ao nÃÂvel da comunicação) entendida como exemplo de pansemia mas sim com uma maior aproximação à monossemia (se bem que a total monossemia seja impossÃÂvel). E para finalizar, conseguir um discurso mais denotativo que conotativo através do emprego da cor.
Existem porém, aplicados a actividades muito especÃÂficas, códigos bastantes precisos de aplicação cromática. Exemplo disto são códigos que todos conhecemos e outros de menor conhecimento geral. Dentro dos códigos com os quais nos encontramos familiarizados temos, as luzes de trânsito e os nÃÂveis de alerta (nomeadamente protecção civil); menos conhecidos temos a luzes de navegação, quer marÃÂtima quer aéreas; e bastante desconhecidos para a generalidade das pessoas temos, os códigos eléctricos e electrónicos, e as cores de marcação de serviços utilitários (código que se refere a serviços utilitários normalmente no subsolo - ex. Gás, esgotos, etc.).
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