O Fetichismo

Essay by PaperNerd ContributorJunior High, 9th grade July 2001

download word file, 31 pages 1.0

Downloaded 3430 times

Introdução Os fetiches são uma temática recorrente nos dias de hoje.

Além de ser um tema fecundo é interessante constatarmos que todos nós temos um pouco de fetichistas embora não o sejamos da mesma maneira aguda, como se descreve nalguns casos ao longo do trabalho.

De certa forma é no fetichismo que encontramos o escape para faltas que vão afectando o ser humano ao longo da sua existência.

O aparecimento dos media veio ajudar a implementar e desenvolver o lado fetichista de cada um de nós (em maior ou menor grau de afectação). A visão sobrepõe-se à audição, a audição ao olfacto e assim por diante. Os conteúdos televisivos suscitam o gosto pelas botas e cano alto, o piercing no umbigo, o corpo tatuado...

A intenção do presente trabalho é abordar o maior número possível de linhas condutoras e pontos de vista dos mais diversos autores que ao longo dos anos foram compondo a história do fetichismo.

Alguns são ou foram terapeutas, outros foram espectadores atentos que conseguiram reunir material com substância e credibilidade para determinar as linhas do fetichismo, desenvolver terapias e criar toda uma panóplia de bibliografia para os potenciais seguidores e interessados da e na matéria.

Fetichismo - definição o fetichismo está integrado no grupo das parafilias, ou desvios sexuais, onde se encontram o sadomasoquismo, o voyeurismo e o exibicionismo.

Enquanto parafilia o fetichismo está condicionado por um grupo de distúrbios psico-sexuais em que são necessários objectos, com funções atípicas para que haja excitação sexual, através de um estímulo que não é socialmente aceite, e a partir do qual se dá uma resposta obsessiva e dependente que permite, ao fetichista, atingir o orgasmo.

De acordo com a obra de John Bancroft o fetichismo está incluído numa das quatro formas de comportamento sexual das quais fazem parte o sado-masoquismo, o travestismo e a transsexualidade. A homossexualidade é considerada de uma forma separada, na medida em que, é numericamente mais significante mas também porque envolve uma relação sexual.

Raymond Corsini descreve o fetichismo como uma condição patológica que liga o fetichista a determinadas partes do corpo, que não as genitais, ou a peças de vestuário usadas como objecto de ligação. Para este autor existem tipos de fetichismo como a amputação, os pés, objectos vários e os sapatos.

O fetichismo pode, ainda, ser considerado um condicionamento primitivo que leva à escolha de um objecto ou uma parte do corpo (tal como em todos os humanos se consegue detectar uma zona de eleição no corpo do parceiro). A diferença para um fetichista reside precisamente neste ponto: ele não precisa do corpo do seu parceiro para obter prazer sexual mas um objecto apenas.

O fetichismo é concretizado quando alguém realiza o transfer da libido do ego para o objecto.

A relação no fetichismo é, no final, uma relação de poder em que o perverso demonstra a sua vontade de poder. A sua frase típica é "Antes de me deixar ir no prazer, é preciso que demonstre o meu poder" . Esta perspectiva leva a que o fetichista deseje aumentar o seu poder e reduzir o outro a um mero objecto inanimado mesmo que conserve com ele um laço de infância - o que permite o perverso rebaixar ou espezinhar o "objecto" sem que este o acuse.

Mais uma vez vemos confirmada a forte presença de fetichistas masculinos em detrimento dos fetichistas femininos. Isto deve-se ao facto de os homens serem mais facilmente condicionados pelas suas experiências sexuais e por objectos relacionados, directa e indirectamente, com as mesmas.

Para Joyce McDougal o fetichismo é o "protótipo de todas as formações perversas" que a princípio possui uma identidade própria que dá origem à identidade sexual. À medida que se avança na investigação destes casos conclui-se que ele tenta apenas encontrar novas soluções para o seu desejo, com todas as complicações edipianas que daí advêm.

A recusa e a negação provocam um vazio, uma angustia de castração que se dá na fase fálica seguida da ausência do objecto e que vai despoletar todo um processo de perversão.

Em Joyce encontramos uma perspectiva freudiana que o fetiche ocupa o lugar de um objecto interno que quando danificado necessita da sua "reparação" constante através da cena sexual perversa e, por isso, castrar, humilhar e renegar o pai faz parte deste processo.

A cada acto perverso corresponde uma "cena primitiva condensada", uma cena completada com objectos simbólicos e inanimados cuja representação serve para preencher o referido vazio interior.

Hanna Segal coloca o fetichismo numa base de criação infantil em que a criança tende a criar símbolos que a ajudam a superar os primeiros conflitos com que se depara.

Sydney Stewart diz-nos que o fetiche deve ser dominado, palpável, visível, inanimado e quase indestrutível pois a sua relação com o ritual do fetichista pode variar - de sujeito para sujeito. O curto espaço e tempo que separa as práticas destes perversos faz sentido quando se percebe que elas são uma fonte de auto-segurança sexual e corporal: são elas que permitem o domínio da masturbação compulsiva. A masturbação e a formação do sintoma revelam como o Eu funciona ao tentar conciliar-se com os impulsos do Id e as exigências da realidade e da identificação sexual.

Sydney descreve o caso de um dos seus pacientes: "O fetiche do meu paciente, Jacob R., é uma pêra de lavagem cheia de água muito quente. As palavras do doente são as seguintes: "Basta-me pensar numa pêra de lavagem cheia de água e transbordando para ter uma erecção e sentir uma tal excitação que tenho necessidade de ir a uma casa de banho para me masturbar". Jacob apercebe-se de que a estimulação visual da pêra remonta já às suas primeiras recordações e que o actual ritual masturbatório nela centrado e a administração da lavagem começou pela idade dos nove ou dez anos." Para este paciente a pêra de lavagem e o seu conteúdo desempenha o papel de fetiche e é esta que vai substituir o pénis fálico que está sempre presente, quer na realidade quer no fantasma.

À laia de conclusão acerca do que acontece com o fetichismo constata-se uma renúncia parcial ao investimento sexual dos pais. O fetichista tenta preservar um objecto, apoiado na negação da diferença sexual, que deveria renunciar (mãe), para poder manter uma determinada identificação com o pai desenvolvendo o desejo homossexual pelo seu progenitor. A castração erotizada e fantasmática significam o acto sexual em si e permitem a restauração mágica do pénis-falo. Os rituais fetichistas têm um papel duplo, isto é, o espectador sádico vê-se reflectido no espelho pela vítima masoquista, que testemunha a influência que o Supereu e o narcisismo exercem nessa perversão.

Christian David foca a desgenitalização dizendo que esta é conseguida quando o fantasma prima sobre a realidade, o afecto sobre a percepção e o acto, e os processos internos sobre as relações de objecto. A herança patológica de Édipo é reduzida, segundo Freud, a "um fenómeno rudimentar insólito" e, por outro lado, há uma infiltração mais ou menos sensível e extensiva da psicossexualidade através do investimento oral e autoerótico. É assim que se consegue entender que analogias há entre o perverso afectivo e o onanismo compulsional ou anoréxico na medida em que tudo se passa num plano de masturbação e num contexto marcado pela impotência ou frigidez, pela regressão oral e o desgosto.

A energia libininal nas perversões, segundo Christian, é também uma energia agressiva e quando é provocada pela masturbação psíquica tende a deixar uma parte da mente livre de estigmas regressivos. Assim, em tudo o que não diga respeito à satisfação de instintos, a relação do perverso com a realidade pode equiparar-se à relação que as personalidades ditas "normais" também estabelecem.

Ismond Rose atribui três características às perversões sexuais sendo a primeira estereotipada quanto à sua natureza, tempo e lugar e é muito difícil encontrar nesta uma utilidade. Outra característica é aquela em que o indivíduo se expõe e corre o risco de ser descoberto mas que não se sente preocupado com tal e a última característica está relacionada com as falhas da personalidade em que se evidencia a falta de correlação entre impulsos passivos e impulsos de auto-afirmação. Estas três vertentes evidenciam as carências que o indivíduo vai adquirindo ao longo da sua vida e, em especial, em relação aos seus progenitores.

Gillespie define perversão sexual como um desvio do comportamento sexual normal que acarreta a existência de um modelo de confronto que na realidade não é muito comum mas que, para ser considerada perversão, deve ser habitual no indivíduo. Esta perversão é um obstáculo considerável à procriação e à vida familiar dado que o indivíduo não se interessa pela parceira mas antes por partes do seu corpo que vê como objectos passíveis de lhe proporcionar prazer e satisfação sexual.

Já em Freud encontravam-se características específicas que eram atribuídas a estes perversos, características como a persistência e interactividade e o carácter de exclusividade cuja tendência era a de rejeitar uma relação sexual com uma pessoa adulta do sexo oposto.

Christian alonga-se acerca da perversão afectiva e aponta as suas diversas formas de expressão que verificou em alguns dos seus pacientes. Um deles apresentava uma satisfação viva e prolongada, que se repetia, ao apelar ao plano erótico ou amoroso embora estes sentimentos estivessem apriorísticamente votados à frustração. Outros pacientes sentiam uma satisfação contida e abafada; o prazer que experimentavam tinha semelhanças com o prazer preliminar e parecia advir do crescendo da tensão do impulso e da descarga própria da flutuação lenta de afectos. A conclusão a que Christian chega é que qualquer transferência de afectos, principalmente os positivos, implica uma orientação perversa tanto pela sua própria natureza da transferência como pela rigidez da canalização e filtragem dessas manifestações.

As perversões afectivas são, por isso, complexas e compostas por elementos que quase nunca se encontram reunidos nem contínuos mas da associação destes elementos vemos resultar, de um conjunto mórbido de factores, uma predisposição estrutural.

A finalidade a que a perversão afectiva se propõe mascara as suas origens e finalidades sexuais através do próprio deslocamento dos objectos sensuais e eróticos visados para o registo do afecto puro com relação mais ou menos notória da genitalidade. Este deslocamento permite um delírio de desejo e remete para um duplo desvio e, consequentemente, uma duplicação na definição de perversão uma vez que toda a imaginação implica uma certa dose nostálgica que incita à continuidade entre o destino perverso comum e os casos perversos.

Em "Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade" Freud concebe que a única diferença entre "perversão", sexualidade normal e sexualidade dos neuróticos é de ordem quantitativa, assim o que distingue cada caso é a disposição qualitativa do psiquismo. É nesta altura que Freud distingue "perversões positivas" e "perversões negativas" em que as primeiras estão relacionadas com a linguagem psiquiátrica e as segundas têm a ver com as neuroses.

Mais tarde o mesmo autor escreve que a perversão é o positivo da neurose porque a perversão supõe a negação da castração e da diferença entre os sexos. A propensão que o perverso sexual tem para expulsar os fantasmas para o exterior transforma-se, no perverso afectivo, na tendência de representá-los (os fantasmas) e re-representá-los no seu interior. O local onde instala a sua cena não é visível, ele prefere instalá-la no espaço interior onde pode representar, onde o que o move não saberia tomar forma e nem poderia ser passível de figuração ou de simbolização de per si.

A perversão afectiva supõe um desvio específico e produz-se devido a um investimento primário dos processos psíquicos ligados, segundo Freud, a uma satisfação alucinatória do desejo e, por isso, ligada às insuficiências dos prazeres imaginados obtidos em compensação da falta de satisfação concreta.

Winnicott salienta que a posição do analista em relação ao perverso afectivo é bivalente no sentido em que o primeiro se sente englobado no movimento do segundo ao mesmo tempo que sente que é afastado e assim mantido, por um lado, e por outro é requisitado para participar num projecto frágil e delicado ao mesmo tempo que é recusado enquanto testemunha. Se o analista opta pela neutralidade observa-se "uma espécie de celebração invisível e misteriosa, a consumação de um estranho ritual íntimo" - como será o ritual onanista exibicionista, por exemplo. Este ritual é repetitivo, como já foi anteriormente referido por outros autores, e é uma repetição disfarçada pois trata-se dos estados da psiqué que substituem a imagem do pai e da mãe bem como a da vivência fantasmática e inconsciente da sua relação.

Grunberger diz que domínio do objecto equivale a privá-lo da sua autonomia para assim poder castrá-lo o que leva à aquisição de um pénis no plano do inconsciente. As relações essencialmente sádico-anais atribuem mais importância à relação que desenvolvem e mantêm com ele e forças que vão permitir o domínio do objecto e não tanto ao objecto em si.

A tentativa de concretizar o fantasma traduz-se na realização de pequenas orgias que permite o investimento nos fantasmas masturbatórios.

Fetichismo: definição freudiana Freud considera o fetichismo uma perversão e, como tal, resulta de um complexo de Édipo mal resolvido que, por isso, remete para as primeiras relações pré-genitais entre mão e filho.

Em 1927 ele descreve o fetichismo como factor estruturante do psiquismo e com um alcance muito mais extenso do que a especificidade de uma estrutura particular Quando a criança descobre o "sexo castrado" da sua mãe tenta criar um substituto fantasioso para o falo materno.

O trauma causado tão prematuramente é o efeito produzido pelo Eu que se sente ameaçado sempre que do Id se vê confrontado com a realidade. A escolha de um mecanismo de defesa, feito pelo Eu, visa a conciliação com o conflito e reflecte um certo período de desenvolvimento no qual o instinto da libido é estável perante a ameaça activa e contínua do traumatismo.

A escolha do fetiche está ligado à marca emocional referente à descoberta da "castração" feminina. A frequente escolha de peças de vestuário feminino está ligado ao momento último em que ainda tem esperança de ver o falo materno. É a partir deste momento que o fetiche começa a fazer parte da vida sexual e a ser a peça chave que permite o prazer.

Na fase fálica é escolhido o objecto, exterior à pessoa, com base em componentes instintivas que dominam a organização pré-genital e que são impulsos eróticos anais sádicos. Nesta fase o fetichista recua perante o complexo de Édipo mas a sobrevalorização fálica narcisista manifesta-se e assiste-se a uma projecção do rapaz sobre o pai.

A mulher fálica tem um cariz bivalente: é produto do amor e de ódio na relação erótico-anal. A mãe e o pénis todo poderoso que lhe foi atribuído no fantasma esconde a realidade da castração dos órgãos femininos bem como uma exigência narcísica. O fetichista nega a castração dos órgãos genitais da mãe mas esta castração tem factores exógenos porque o medo da castração, devido a factores endógenos, é tido como uma punição do desejo o que permite negar a existência da autocastração.

O objecto excitante enquanto fetiche verifica-se quando a dor é infligida por uma extensão de objectos erotizados que batem no indivíduo permitindo o prazer sexual tanto na masturbação como com um companheiro. Aqui a flagelação funciona como um acessório para estimular o acto sexual em si mantendo-se como o principal elemento do fantasma.

Quando os indivíduos desenvolvem rituais em que a masturbação é frequente, a utilização de fetiches é de capital importância e as suas virtudes são particularmente aprazíveis porque o fetiche é um objecto não sexual mas está intimamente associado ao corpo e deve ser bivalente no sentido de poder ser utilizado por ambos os sexos.

A transformação da escolha de um determinado objecto erotizado, numa alteração do Eu, pode levar a um aprofundamento das relações com o Eu porque a modificação ocorre antes do abandono do objecto ou porque a relação do objecto sobrevive e é conservada. Nas perversões existem outras formas de compromisso entre o Supereu e o Eu por causa das deslocações da culpabilidade sobre outras dificuldades mais quotidianas, como o trabalho, por xemplo.

Para Freud o fetichismo é visto como uma protecção contra a homossexualidade porque o substituto do pénis fálico está presente tanto na realidade como no fantasma e a homossexualidade é perceptível estando, apenas, disfarçada.

No princípio o investimento do objecto e a identificação não se podem distinguir um do outro por isso o investimento no objecto ou a identificação não estão ligados com o objecto total mas com o objecto dividido em que a representação simbólica consciente está representada pelo Supereu - por isso o Supereu desempenha um papel fundamental no fetichismo. Mesmo que haja uma regressão por parte do paciente e este regresse a um estádio anterior do complexo de Édipo o Supereu mantém-se e acompanha o paciente na "viagem regressiva".

Nas pacientes que Freud observou, o fantasma do pai está presente quando elas dizem que o pai bate em alguém de quem elas não gostam; neste caso o significado latente é o de que o pai bate na outra pessoa e a mensagem filtrada que chega à consciência é o contrário do conteúdo masoquista tornado sádico.

Quer o fetichista bata na sua companheira que detém o fetiche quer ele seja torturado pela pessoa fetichista, os fantasmas mantêm-se os mesmos apesar de haver uma permuta de papéis.

A tendência para a repetição é o elemento mais evidente no fetichismo e no masoquismo daí que as cenas sejam constantemente recriadas através da compulsão visando criar tensão e a consequente resolução desta através da dor. A dor permite recriar uma visão narcisista e sedimenta-a através da humilhação dor-amor e punindo os desejos incestuosos ao passo que a dor física é o símbolo orgástico e, numa situação de perversão masoquista, pode vir a substitui-lo. O acto de provocar dor-amor é tido como uma forma de dominar o objecto e o obrigar a expressar o seu amor através da dor.

O Eu está intimamente ligado com a formação de defesas embora ainda esteja um pouco imaturo no que concerne a objectos transicionais e, por isso, não permite a formação de um fetiche autêntico. Esta perversão estabelece-se a nível fálico sádico-anal quando há uma regressão no conflito edipiano mas os problemas do estádio oral permitem enfrentar esse conflito.

Fetichismo - Kinsey Report Kinsey chama fetichista ao homem que reage a objectos totalmente independentes do corpo do parceiro como roupas, meias, sapatos, ligas, mobílias e determinados tipos de tapetes. Quanto mais afastados estiverem estes objectos, da mulher com quem tem relações sexuais, mais se acentua a sua natureza feiticista. Mas este objecto tem que ser necessário , ou mesmo indispensável, para poder ser classificado de parafilia e só pode ser visto como um problema se causar dificuldades matrimoniais, sociais ou dificuldades legais.

No seu famoso trabalho a que correntemente se dá o nome de Kinsey Report a temática do fetichismo vem incluída no capítulo das parafilias. Numa primeira abordagem Kinsey descreve a resposta comportamental de um homem quando vê a sua esposa vestida de preto ou com roupa interior de renda como uma resposta que reforça as relações interpessoais e, por isso, é uma resposta normal. No entanto, este tipo de comportamento pode vir a ser um problema quando envolve a necessidade de um objecto ou um comportamento particulares para o indivíduo se excitar e satisfazer, porque este tipo de resposta interfere, directamente, com o desenvolvimento e manutenção da relação íntima entre duas pessoas.

O significado atribuído à palavra fetiche é "objecto com poderes mágicos" como as cuecas das mulheres, os soutiens, meias, ou partes do corpo como o cabelo, seios e pés. Outros tipos de fetiches apontados são os que envolvem excitação sexual como é o caso das texturas como a borracha, o latex ou peles mas também os que têm a ver com determinado tipo de odores tabu ou excreções corporais - fezes e urina.

Os referidos "objectos com poderes mágicos" eram usuais nas culturas tradicionais e funcionavam como objectos cujas funções eram as de amuletos usados para dar sorte ou para proteger.

Alguns dos fetiches têm origem, segundo o autor, na infância e seria o caso de depender de fraldas ou usar cuecas plásticas para permitir a excitação e/ou orgasmo.

Quanto ao objecto sexual em si pode ser usado pelo parceiro sexual, pelo próprio perverso ou ser o simples olhar ou tocar algo enquanto ele se masturba sem nenhum parceiro presente.

Kinsey evidencia a discrepância de perspectivas entre o fetichista e a sociedade. Isto porque a sociedade presume que a maior parte dos homens se excita quando olha para os seios femininos e não vê esta da mesma maneira que vê a situação de um homem que precisa que lhe urinem em cima para se sentir excitado.

Para Kinsey o fetichismo é mais conhecido nos homens porque os estudos têm incidido nos mesmos mas também porque a pesquisa é feita tendo por base pacientes clínicos, ou seja, baseia-se em indivíduos que estão em terapia e que estiveram ou ainda estão presos. O facto dos homens se excitarem mais facilmente tanto visual como odoriferamente em relação às mulheres explica, em parte, o motivo pelo qual é mais fácil adquirir um fetiche que está integrado e domina o seu mapa amoroso. Mesmo assim a maior parte dos clínicos crê, baseados em diversas pesquisas, que o fetichismo é muito mais raro nas mulheres que nos homens.

O autor acrescenta que este é um comportamento sexual de que só se tem conhecimento quando os fetichistas chamam a atenção sobre si devido a problemas com as autoridades ou a qualquer outra dificuldade. Médicos, terapeutas e juizes têm conhecimento de comportamentos sexuais fetichistas em três situações: quando o parceiro do fetichista se recusa a colaborar e o casamento sofre, negativamente, com isso; quando o objecto do fetiche se torna tão específico que a dificuldade para o obter aumenta; quando o perverso começa a ficar preocupado acerca da sua identidade sexual ou com a "normalidade".

Kinsey acrescenta que é possível um homem ao concretizar um fetiche se sentir mais recompensado e satisfeito do que se o mesmo tiver relações sexuais com uma mulher. Este comportamento explica-se através de casos clínicos em que se verifica que muitas pessoas obtêm maior prazer sexual se interagirem com um objecto específico em vez de um parceiro.

Não é raro um homem sentir-se mais excitado sexualmente se a sua mulher se for deitar com uma roupa determinada, que ambos vestem como sinal para o outro saber quando gostava de ter relações sexuais, do que se ela for vestida com uma outra roupa qualquer. Mas se o homem não estiver interessado na mulher a não ser que ela vista essa peça de roupa particular, ou se ele preferir olhar apenas essa dita peça pode-se, então, considerar um caso de fetichismo.

Fetichismo - determinantes Acredita-se que o fetichismo resulta do condicionamento da resposta sexual a um determinado estímulo sexual .

John Bancroft estabelece uma comparação quando diz que a capacidade que os homens têm de condicionar a sua erecção, da forma tradicional, em relação a um estímulo ou objecto pouco usual, revela uma erecção como resultado de uma resposta condicionada. A ausência de algo genitalmente equivalente nas mulheres demonstra que há falta de aprendizagem fetichista nas mulheres.

Estamos longe de saber porque é que alguns estímulos são passíveis de ser condicionados e outros não. Talvez a aprendizagem em idades mais precoces seja o ponto fulcral a partir do qual o indivíduo desenvolve associações mais bizarras apesar de este não ser o motivo que leva o objecto do fetiche a ser algo mais do que um estímulo condicionado. O objecto representa o pénis, a referida protecção contra a castração ou a negação da falta de um pénis nas mulheres.

No seu livro Bancroft refere-se a P.Greenacre na medida em que este estabelece uma relação invariável entre o fetichismo e um grave complexo de castração. Algumas vezes os fetiches são excessivamente bizarros e não podem ser vistos como uma extensão do corpo mas associados com anormalidades neurológicas.

Winnicott sugere a existência de um objecto transicional, comum a todas as crianças, fornecido pela mãe aquando da utilização do seu instinto para colmatar as necessidades da criança. Este objecto representa a maturação da criança, maturação essa que se revela quando há uma separação entre o dito objecto e a própria mãe - este processo potencia o aparecimento do fetiche.

Quando surgem dificuldades no desenvolvimento da criança ela pode manter-se apegada ao objecto transicional e mantê-lo até à idade adulta. Este apego, com o tempo, reveste-se de perversidade mas representa sempre o seio da mãe e nunca poderá transformar-se no verdadeiro fetiche já que este é um falo mágico derivado do narcisismo ao qual pertence. Enquanto se mantiver a projecção narcísica do pénis-falo mágico os fantasmas sexuais não se modificam e o ritual de castração simbólico é repetido incessantemente de uma forma erotizada.

Ismond (1971) propõe a teoria do fetichismo de acordo com "uma procura selectiva que contém em si um princípio que, impelido ao extremo e desenvolvido de maneira elaborada, é tudo quanto observamos nos casos de feiticismo clínico". A deslocações eróticas ocorre quando o indivíduo transfere a sua libido da zona genital para outra parte do corpo ou outro objecto .

Fetichismo - objectos e temporalidade "Não, estou a pensar no teu apelido... porque "Bertgang" quer dizer o mesmo que "Gradiva", ou seja, aquela que resplandece ao andar" in Gradiva O fetichismo está dependente do ambiente cultural na medida em que este acompanha a evolução da sociedade, dos seus hábitos e dos seus costumes, assim, a cada geração corresponde um bloco de fetiches.

A ilustrar este ponto Gellman e Tordjman (1989) descrevem uma situação recorrente em 1914 em que os cortadores de tranças, predominantes na altura, cortavam as tranças das raparigas, em locais públicos, e posteriormente masturbavam-se na companhia desse objecto.

Freud refere que o acto de cortar os cabelos é um símbolo de castração muito importante na medida em que o corte se processa sem dor e a castração é negada pelo facto de os cabelos voltarem a crescer.

O fetiche do couro, da borracha e do látex predominam e são alimentados pelas sex shop que pululam. As meias são substituídas pelas collants tal como o velocípede é substituído pela moto cujo barulho que emite é mais poderoso e da mesma forma que os espartilhos são substituídos por soutiens de renda e meia de ligas. "O Sr.V., para ter erecções, tinha necessidade de vestir collants de mulher vermelhos, que rasgava durante a relação sexual(...)" (Gellman e Tordjman, 1989).

A "Enciclopédia da Sexualidade" aponta os W.C., as banheiras e os bidés como os objectos que mais frequentemente servem de fetiche. A mesma fonte afirma, ainda, que a lama pode ser o substituto dos excrementos (motivo válido para alguns que continuam a gostar desta prática) e que o fetiche das cores se manifesta por analogia ao sangue (o vermelho), ao luto (o roxo) e a morte (preto). "O Sr.T. só se excitava com a ideia de a sua parceira lhe introduzir o seu dedo grande do pé, com a unha pintada de vermelho, no ânus. Ficava igualmente excitado com as mulheres com unhas muito compridas e vermelhas." (Gellman e Tordjman, 1989).

Em 1973, data de publicação desta enciclopédia, o fetichismo que imperava entre a geração mais jovem eram os blusões negros, as motos e os ciclomotores, os cintos largos e jeans deslavados e camisolas de gola alta.

Os olhos têm um papel predominante nas fixações amorosas pois estabelecem uma relação directa com o sexo; esta fixação pode estender-se às orelhas e o beijo do ouvido torna-se mais importante que o olho.

Os sapatos ou as botas são um dos símbolos mais marcantes. "O homem e o prazer" descreve uma situação relacionada com este fetiche: "o Sr.B., homossexual, só tinha excitação sexual com botas de couro. Toda a sua vida psicossexual girava em torno de botas. Passeava-se pela rua olhando unicamente para as boas dos homens e, nas casas de banho das estações, colocava-se ao lado do homem cujas botas mais lhe agradassem e masturbava-se ao lado dele." As peças de vestuário feminino podem gerar fetichismo. Uma situação com fetichismo de cabedal é ilustrado por C.Gellman e Gilbert Tordjman : "O Sr.J.C., de 28 anos, experimenta um grande prazer ao praticar o coito sempre que a sua parceira aceita vestir um longo casaco de couro sobre a pele durante as relações sexuais (...)" No mesmo documento o motivo deste fetiche é destrinçado: "Este gosto remonta à sua adolescência; aos 13 anos, sentiu pela primeira vez na sua vida o orgasmo, ao ver-se por acaso apertado contra uma senhora de casaco de cabedal, no metro." É usual o fetichista preferir, neste caso, vestuário de cabedal usado, ou de limpeza dúbia, na medida em que está impregnado de fortes odores, nomeadamente de cheiro de transpiração, que se mistura com o próprio cheiro a cabedal.

Ao fetichita a roupa interior interessa-lhe na media em que ode ser vestida e depois araca: ela castra o pénis quando se veste e restaura-o quando rasga as roupas expondo, visivelmente, o órgão sexual.

A borracha é uma das mais frequentes formas de fetichismo (Bancroft, 1989) nomeadamente peças de roupa feitas deste material ou feitas de plástico brilhante.

Em 1965 Von Kraft-Ebbing aponta as peles, veludo e sedas como o tipo de texturas mais comummente apreciadas.

Chalkley & Powell, em 1983, encontraram 48 casos de fetichismo em que dezassete dos indivíduos tinham um fetiche, nove tinham dois e os restantes vinte e dois revelavam três ou mais.

Gosselin & Wilson, em 1980, efectuaram um estudo sobre fetiches com borracha do qual concluíram que o interesse por material se desenvolve na idade compreendida entre os quatro e os dez anos. A especificidade deste estudo permitiu, também, concluir que grande parte destes indivíduos desenvolveram esta preferência nos princípios da II Grande Guerra e as causas apontadas resultam do sentimento de ansiedade provocado pelas circunstâncias bem como a ausência do pai e a presença exacerbada da mãe mas também a proliferação de artigos fabricados com borracha - muito usados na altura.

Os pés são a forma de fetichismo mais célebre: desde todos os poetas que apelaram a esta parte do corpo até aos chineses que elevaram este culto a instituição provocando todas as mutilações que daí resultaram.

O trabalho freudiano sobre a novela de Wilhelm Jensen é largamente conhecido e propõe-se a interpretar o sonho que um arqueólogo desenvolve em torno dos pés de um baixo-relevo.

No relatório de Kinsey um dos fetiches abordados tem a ver com pés. Um rapaz de vinte e poucos anos desde os nove que se sente atraído por pés de mulheres, principalmente pelo seu cheiro, meias e sapatos impregnados do odor da transpiração. A masturbação é uma consequência óbvia e o conselho que é dado por Kinsey passa, uma vez mais, pela consulta de um terapeuta no sentido de atenuar problemas como a ansiedade, o sentimento de culpa e vergonha ou o stress e consequências negativas na vida social, na vida escolar, nas relações amigáveis e familiares mas também na vida amorosa.

Fritz Kahn descreve o fetichista dos sapatos como um indivíduo que quando vê um "pé de mulher bem calçado" se excita e o seu primeiro impulso, ao iniciar os jogos amorosos, é beijar o sapato dela. Este mesmo autor muitas das prostitutas das grandes cidades usam sapatos altos e de cor berrante por causa dos fetichistas.

Fritz acrescenta, ainda, mais dois tipos de fetichistas, o dos vestidos e o dos cabelos. O primeiro verifica-se quando o fetichista tem um grande prazer ao guardar um pedaço de um vestido, já usado pela mulher "eleita", e que busca prazer através do mesmo. Quanto ao fetichista dos cabelos Fritz define-o como um "caçador de madeixas" que obtém prazer quando se passeia ao lado de raparigas com tranças, por exemplo, em que a finalidade é cortar o cabelo das mesmas e guardá-lo como se de um trofeu se tratasse.

No Kinsey Report são abordados fetiches com cabelos, nomeadamente um homem com 34 anos, que desde os seis anos de idade revelou alguma preferência por estes chegando a tirar um curso de cabeleireiro. Este fetiche não constitui um problema a não ser que o cabelo se torne a único objecto de interesse sexual ou que este mesmo interesse interfira com a vida quotidiana. Se o indivíduo se torna incapaz de desenvolver uma relação com um parceiro que não tenha cabelo comprido e se não desenvolver interesse numa pessoa real a sugestão de Kinsey é a de que este procure um terapeuta no sentido de tentar encontrar outras formas de resposta sexual.

Raymond (1956) escolhe um caso de fetichismo cujo objecto eram carrinhos de bebés. O perverso, processado por diversas vezes, tinha como objectivo sujar o carrinho e a pessoa que o empurrava e não perdia a oportunidade de passar com o automóvel por uma poça lamacenta.

Bak, em 1953, põe em relevo a teoria fetichista e demonstra a dupla concepção da mãe: uma mãe enquanto um ser provido de pénis e outra como um ser privado do mesmo. O rapaz por vezes identificava-se ora com o ser materno fálico, ora com a outra, ora com as duas. A identificação com a mãe castrada leva o rapaz a desejar renunciar ao próprio pénis o que conduz a um conflito com o orgulho narcísico da sua posse e com o desejo de o conservar. Quanto à identificação com a mãe dotada de um pénis era tido como uma protecção contra o desejo inconsciente de se desfazer do pénis para manter intacta a identidade materna.

Em 53 também Greenacre efectua um estudo que dá frutos importantes para o apuramento teórico desta perversão. A ansiedade e as condições em que se tende a produzir este tipo de comportamento , na criança nomeadamente e os distúrbios na função da criança devido a anomalias anatómicas podem originar deslocações e acentuações da função libidinosa que levam a formas especiais de satisfação e fixação.

A relação especial em que se encontra o fetichista na observação do objecto tem uma importância fulcral e nela se encontram vários factores: há uma fuga de um objecto completo e humano para apenas uma parte do mesmo ou para qualquer outro objecto inanimado. O objecto substituído apresenta outras vantagens vitais porque protege o fetichista da angústia da castração, estão ligadas à sua preocupação de conservar intacto o objecto original do amor: a mãe.

O fetichismo nos homens e nas mulheres Kinsey em 1953 constatou no seu famoso trabalho que o fetichismo era raro em mulheres e só mais tarde, em 1983, que Stoller descreveu três casos de fetichismo em mulheres, travestismo fetichista, mais precisamente.

A "Enciclopédia da Sexualidade" descreve três fetiches nas mulheres: a estatura masculina, quanto mais alto melhor (remete a beleza para segundo plano); a voz (porque as mulheres sobrepõem a audição e o tacto à visão) e a barba ou bigode (que aponta ser um sinal de virilidade indispensável para algumas mulheres).

Quanto ao olfacto, este desempenha um papel importante para as mulheres pois são mais sensíveis a odores como o de transpiração ou de sexo.

O mesmo texto faz alusão ao fetichismo feminino cujo alvo são as vedetas. Gravatas e pedaços de roupa que são arrancados ao ídolo, fotografias, autógrafos e dedicatórias. Mas o objecto de fetichismo que é apontado como o que mais prolifera é a braguilha e está ligada às formas que essa parte das calças masculinas pode revelar.

O toque é um instrumento com o qual muitos homens têm dificuldades em lidar (C.Gellman e G.Tordjman, 1989) e acabam por centrar as suas sensações no pénis, o que conduz a uma situação deficiente. Esta insuficiência é colmatada através da fantasmagoria e da perversão, daí que fetichismo seja mais predominante nos homens do que nas mulheres.

"O desejo masculino, frágil e precário, tem necessidade de se apoiar nos voos do imaginário. O cenário erótico permite ao homem exprimir a sua componente de hostilidade ao mesmo tempo que demonstra a sua vontade de poder" (op.cit.).

Uma das grandes diferenças entre homens e mulheres é que quanto mais bizarro o tipo de fetichismo preferido por eles, mais raro é entre as mulheres (se é que alguma vez chega a revelar-se). No entanto as mulheres desenvolvem preferências homossexuais ou tendências sadomasoquistas mais facilmente apesar de não desenvolverem fetiches relacionados com o exibicionismo ou o voyeurismo (John Bancroft, 1989).

Sydney Stewart considera o fetichismo uma perversão masculina porque o pénis pode ser visto separado do corpo e, quando tal acontece, ele é dotado de "virtudes mágicas", num âmbito narcísico. Porém o terror da castração é sentido de forma real e em relação a um pénis real.

Em "A diferença anatómica entre os sexos" Freud fornece-nos a chave do fetichismo na medida em que o fantasma de ser batido remete , nas raparigas, para o período fálico e pode ser interpretado de forma a que a criança é o próprio clitóris.

O fetichismo masculino, pela sua diferença anatómica, reúne duas particularidades: o elemento do deslocamento e o fetiche. Neste caso o falo-mágico bate ou acaricia o pénis do homem pois é o representante mais poderoso do seu sexo e as qualidades sádicas e anais estão sempre presentes na medida em que estas são um factor inerente à existência e continuidade do fetiche.

"Partialism" Pode-se apontar três categorias de sinais sexuais ou estímulos sendo o primeiro o "partialism", depois partes inanimadas vistas como extensões do corpo (como por exemplo uma qualquer peça de roupa) e, por fim, uma fonte específica de estimulação táctil como a textura de um material específico.

A primeira categoria considerada por Bancroft inclui o interesse por partes específicas do corpo sendo que esse interesse pode vir a estender-se a outras partes do corpo ou, ao corpo como um todo.

A predilecção por mãos ou partes mais íntimas como as pernas ou o rabo revelava o grau de exposição corporal permitida hoje em dia.

Quando as sensações eróticas estão ligadas a uma qualquer parte do corpo e são extremas a ponto de eliminar a pessoa humana, então, segundo Freud, estamos na presença de uma patologia ligada ao medo de castração do rapaz. Este medo é-lhe dado a conhecer quando verifica que a sua mãe é "castrada" e essa ausência do falo constitui uma ameaça séria à integridade dos órgãos genitais em si. Este medo de castração leva o rapaz a desenvolver defesas mediante o mecanismo de recusa e a renunciar à crença no falo feminino e imagina, naquele lugar de "falta", um "feitiço". O "feitiço" representa, então, o falo materno no qual ele pode confiar e no qual ele concentra toda a sua energia erótica além de representar uma parte da sexualidade infantil retirada do Ego enquanto afasta toda a restante sexualidade - revelando a angústia da castração freudiana .

O travesti fetichista O travestismo fetichista aplica-se com mais frequência a homens, talvez raramente a mulheres, que usam roupas femininas como objectos de fetiche. Para estes as roupas são, per si, sexualmente estimulantes e a maior parte das vezes levam-no à masturbação o que faz com que o travestismo, neste caso, seja visto como um acto sexual.

Convém, ainda, aqui mencionar que existem outros tipos de travestismo não fetichista como é o caso do travesti de double-role em que o indivíduo passa grande parte da sua vida a vestir-se e a fazer-se passar por mulher.

O homossexual travesti sente-se atraído por pessoas do mesmo sexo e veste-se com roupas do sexo oposto não tanto pelo fetichismo em si mas muitas vezes porque é uma forma de caricaturar.

Por fim, o transsexual que acredita ser do sexo oposto e pretende ser aceite como tal, por isso, veste-se no intuito de expressar a sua preferência.

O acto de vestir roupa do sexo oposto é, nos fetichistas, um acto de idealização em que se imaginam com peito e vagina, no caso dos homens, que na maior parte das vezes não pretendem enfatizar ou olhar para os seus órgãos genitais mas antes perpetuar o padrão.

O indivíduo que vê este como um acto fetichista pode continuar a mostrar um padrão muito simplista ao usar apenas uma peça de roupa feminina, normalmente roupa interior, ou pode começar a usar cada vez mais à medida que o tempo vai passando. A finalidade é criar a ilusão, ou convencer-se, de que é uma mulher. Com o tempo este pode começar a mostrar maior interesse em identificar-se com o sexo oposto.

Fenichel em 1930 procurou demonstrar que o travestismo funde as manobras defensivas do feiticista com o homossexual. O homossexual resolve o seu desejo de posse da mãe identificando-se com ela ao passo que o fetichista não aceita a falta do pénis na mãe e o travesti masculino, nas suas fantasias, concebe a mulher como um ser provido de pénis com a finalidade de destruir a angústia de castração além de se identificar com esta mulher fálica. Esta dupla defesa descrita por Fenichel encontra-se também em casos de fetichismo.

Ismond Rosen descreve as fantasias masturbatórias de um dos seus pacientes em que eram associadas fantasias fetichistas com fantasias masoquistas, o fetichismo neste caso estava associado a um uniforme impermeável que o paciente gostava e admirava nas mulheres. A parte sado-masoquista consistia no facto de uma mulher ser obrigada a vestir o uniforme e isto era tido como uma humilhação à qual se associava uma punição.

Fetichismo: terapias Raros são os casos de fetichismo ou sadomasoquismo que aparecem nas clínicas na medida em que, em princípio, estes indivíduos não pretendem alterar a sua condição.

Os fetichistas, ao contrário dos homossexuais, não são submetidos ao mesmo estigma social, no entanto, as razões que os levam a procurar ajuda ainda é um campo por desbravar.

Bancroft refere o caso de indivíduos casados que procuram ajuda devido à pressão exercida pela sua mulher embora ele seja relutante em alterar o seu estado. No entanto, o contrário também acontece: o parceiro ou parceira pode aceitá-los e até gostar.

Muitas vezes o padrão do fetichista ou do sadomasoquista acentua-se por causa das dificuldades das suas vidas sexuais mas quando a relação corre bem as tendências sexuais tendem a perder a sua importância.

Umas das grandes dificuldades encontradas no tratamento de um fetichista tem a ver com o fantasma na sua representação, que parece ser uma coisa, e na sua significação, que apresenta características contraditórias. A primeira defesa do paciente é recusar a interpretação que o terapeuta faz porque ele acredita que o contrário é que está correcto, o contrário é que é verdadeiro. O papel do pai torna-se pouco relevante perante o papel da mãe porque esta última é representada como uma pessoa forte e dominadora, capaz de tomar decisões directamente relacionadas com a família. Esta observação potencia a existência de uma ligação sádica-oral com a mãe que favorece uma análise mais profunda. O recalcamento do complexo de Édipo também conduz, paralelamente, a uma recusa real de qualquer relação com o pai.

Ismond refere-se à terapia do fetichismo através do método apresentado em 1956 por Raymond que pensou que estes perversos poderiam ser condicionados por forma a oporem-se, com ódio, ao seu objecto de amor. O tratamento passava por apresentar ao fetichista cada duas horas o objecto do seu fetichismo e simultaneamente administrar-lhe injecções de apomorfina e de hidroclorito emetínico para, assim, fazer coincidir a excitação com a náusea. Este tratamento durava quatro ciclos de cerca de três dias cada fazendo intervalos inter-cíclicos de dois dias até que se verificava no paciente uma crise emotiva que o levava à rejeição do seu objecto. Ismond revela, ainda, que o tratamento de Raymond teve sucesso e o seu trabalho foi publicado dezanove meses após a "cura" de um paciente.

Este método é, obviamente, um método que recorre ao condicionamento para fazer com que o paciente comece a associar o objecto sexual a um estímulo desagradável (provocado pela injecção). O pervertido pode ser considerado averso ao acto sexual porque na sua mente está criada a associação ao perigo.

Wolpe e Rachman em 1958 e 1960, respectivamente, desenvolveram técnicas de descondicionamento inter alia para as perversões sexuais. Wolpe afirma que em certos casos a perversão é tanto uma "neurose" fechada como a expressão de um problema pessoal.

Conclusão O estudo do fetichismo é assaz relevante para o estudo e compreensão de outras perversões.

Autores como Nancy Friday contribuiram de forma relevante para estabelecer no mapa as fantasias sexuais dos homens através de escritos como " O homem e o amor".

Freud desenhou as linhas gerais do fetichismo e situou a origem destas perversões na infância, uma altura em que a criança está mais exposta às "novidades" anatómicas.

Mais autores conseguiram contribuir para o aprofundamento da origem, desenvolvimento e terapias do fetichismo mas, hoje em dia, noto uma certa carência de estudos e teorias visíveis que demonstrem, de alguma forma, como é que evoluiu este tipo de perversão.

Seria necessário continuar um trabalho antes iniciado por tantos autores por forma a ser dado a conhecer novos casos, novas terapias e novas aceitações da sociedade, na medida em que com o alongar dos tempos, com o devir das matérias, novos fetiches vão sendo mediatizados e, por isso, banalizados; o que leva a uma diminuição do impacto que certas perversões causa nas pessoas.

O estigma social que envolve s homossexuais, no entanto, não se verifica em relação aos fetichistas por razões não conhecidas e que, talvez, são suficientemente interessantes para averiguar.

Apenas se pode especular acerca deste "fenómeno" mas o certo é que na sua origem pode estar o elevado grau de exposição dos homossexuais e, de certa forma, a aceitação parcial dos fetichistas no sentido em que lhes são disponibilizados "instrumentos" em lojas como as sex shop. De alguma forma é neste tipo de locais que vemos o culminar do fetichismo. A abundância de objectos mais ou menos interessantes, consoante a perspectiva do fetichista, leva a que o fetichismo se torne uma espécie de culto que é alimentado com novidades.

Os avanços tecnológicos podem promover a actualização dos estudos nesta área. Nota-se já uma certa necessidade de proceder à renovação do material existente na medida em que este já se encontra obsoleto.

Os estudos mais recentes datam dos anos 80 e já pede renovação. Torna-se necessária uma reorganização dos estudos sobre o fetichismo e um upgrade que reflicta os dias de hoje, até porque a sociedade de então evoluiu e hoje a mentalidade e disponibilidade fetichista é melhorada por outros agentes, como os media, nomeadamente a televisão que impõe factores decisivos aos mais susceptíveis.

Fetichismo - Bibliografia Friday, Nancy; O homem e o amor - fantasias sexuais masculinas - o triunfo do amor sobre a raiva; Difel Editores; 2ª edição; s/data; 1981 Freud, Sigmund; Delírio e sonhos na Gradiva de Jensen; Gradiva; Lisboa; 1995 Reuben, David R.; Tudo o que você sempre quis saber sobre o sexo; Círculo de Leitores; s/local; 1969 M`Uzan, Michel e outros; A sexualidade perversa; Vega Universidade; Lisboa; s/data Ismond, Rosen; Os desvio sexuais; Editora Meridiano; Lisboa;1971 Reinisch, June M. e Beasley, Ruth; The Kinsey Institute New report on sex; Penguin Books; New York; 1990 Tiefer, Leone; Human sexuality - feeling and functions; Harper & Row Publishers; 1979 The journal of sex research; vol 36; nº3; August 1999 Verdiglione, Armando; Sexualidade e Poder; Edições 70; 1976 Enciclopédia da Sexualidade; Moraes Editores; vol II; Lisboa ; 1973 Byrne, Donn e Kelley Kathlyn; Alternative approaches to the study of sexual behaviour; New Jersey; Lawrence Elbourn Associates Publishers; 1986 Costa, McCrae and; Handbook of personality; S/local; Bancroft, John; Human sexuality and its problems; 2ªedição; Edinburgh; Churchill Livingstone; 1989 Bancroft, John; Researching sexual behaviour: methodological issues; Bloomington; Indiana University Press; 1997 Raymond, M.J.; Case of fetishism treated by aversion therapy; British Medical Journal; nº2